O trauma psicológico é mais do que um evento doloroso do passado, ele pode permanecer vivo no corpo e na mente, afetando pensamentos, emoções e comportamentos. Em muitas situações, o cérebro “congela” aspectos da experiência traumática como uma forma de autoproteção. No entanto, essa mesma defesa pode impedir o processamento natural da memória, mantendo a pessoa presa em um ciclo de sofrimento.
O EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) é uma abordagem psicoterapêutica baseada em evidências que auxilia o cérebro a retomar seu fluxo natural de integração, liberando memórias que ficaram presas no tempo.
Neste artigo, você vai entender como o trauma interfere na memória e de que forma o EMDR promove a liberação e reorganização dessas experiências.
O que acontece no cérebro durante o trauma
Quando uma pessoa enfrenta uma situação ameaçadora ou emocionalmente devastadora, o corpo ativa o sistema de luta, fuga ou congelamento.
Nesses momentos, há uma liberação intensa de hormônios do estresse, e áreas cerebrais responsáveis por processar memórias como: o hipocampo e o córtex pré-frontal, têm sua atividade reduzida (Shin et al., 2006). Enquanto isso, a amígdala, região do cérebro que detecta o perigo, permanece hiperativada.
Esse desequilíbrio faz com que as informações do evento traumático não sejam processadas de forma coerente. O resultado é o armazenamento fragmentado da memória, em que partes da experiência (imagens, sons, cheiros ou sensações) ficam isoladas, sem uma narrativa temporal organizada (van der Kolk, 2015).
Em outras palavras: o trauma congela a memória, impedindo que o cérebro entenda que o evento pertence ao passado.
Por que as memórias traumáticas ficam “presas”?
Memórias comuns são arquivadas com contexto: sabemos que algo aconteceu, lembramos como reagimos e reconhecemos que já passou.
No trauma, esse processo falha. Devido à intensa resposta fisiológica e emocional, a experiência é gravada de forma crua, muitas vezes sem a mediação cognitiva necessária para integrá-la. Por isso, ao ser acionada por gatilhos, a pessoa sente como se estivesse revivendo o trauma, e não apenas recordando-o.
Esse fenômeno é conhecido como memória traumática não integrada. Ele explica sintomas como flashbacks, pesadelos, hipervigilância e reações corporais desproporcionais a situações do presente.
Como o EMDR ajuda a liberar memórias congeladas
O EMDR foi desenvolvido por Francine Shapiro (1989) e é reconhecido mundialmente como um dos tratamentos mais eficazes para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), além de outros quadros relacionados a trauma.
A base teórica do EMDR é o Modelo de Processamento Adaptativo da Informação (PAI), que propõe que o cérebro tem a capacidade natural de processar e integrar experiências.
Quando ocorre um trauma, esse sistema é bloqueado. O EMDR atua como um catalisador desse processamento, utilizando estimulação bilateral alternada (movimentos oculares, sons ou toques) para reativar a comunicação entre os hemisférios cerebrais.
Durante o processo terapêutico, o paciente é orientado a acessar a lembrança traumática de maneira controlada, enquanto acompanha os estímulos bilaterais.
Essa estimulação favorece o reprocessamento da memória, permitindo que ela seja reorganizada de forma adaptativa, com menor carga emocional e uma nova compreensão sobre o evento.
Pesquisas em neuroimagem mostram que, após o tratamento com EMDR, há redução da atividade da amígdala (associada ao medo e à ameaça) e maior ativação do hipocampo e córtex pré-frontal, áreas ligadas à memória e regulação emocional (Pagani et al., 2012).
Os efeitos do reprocessamento com EMDR Após o reprocessamento, o paciente pode ou não continuar lembrando do que aconteceu, mas a lembrança perde o poder de causar sofrimento intenso.
O evento passa a ser reconhecido como parte do passado e não como algo que ainda está acontecendo.
Essa mudança profunda afeta não apenas a forma como a pessoa se lembra, mas também como se sente em relação a si mesma, ao outro e ao mundo.
A memória deixa de ser uma ferida aberta e se transforma em aprendizado integrado.
O trauma interrompe o curso natural da memória e aprisiona fragmentos da experiência em um estado de congelamento.
O EMDR, ao estimular o reprocessamento dessas lembranças, ajuda o cérebro a retomar seu movimento natural de cura e integração.
A partir desse processo, o indivíduo deixa de viver em função do passado e volta a sentir-se seguro no presente.
Em essência, liberar a memória congelada é permitir que a vida volte a fluir.
Referências Bibliográficas
American Psychological Association. (2017). Clinical Practice Guideline for the Treatment of Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) in Adults.
Pagani, M., Di Lorenzo, G., Verardo, A. R., Nicolais, G., Monaco, L., Lauretti, G., &
Siracusano, A. (2012). Neurobiological correlates of EMDR monitoring–an EEG study. Brain Research Bulletin, 89(3–4), 241–247.
Shapiro, F. (1989). Eye Movement Desensitization: A new treatment for post-traumatic stress disorder. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 20(3), 211–217.
Shin, L. M., Rauch, S. L., & Pitman, R. K. (2006). Amygdala, medial prefrontal cortex, and hippocampal function in PTSD. Annals of the New York Academy of Sciences, 1071(1), 67–79.
van der Kolk, B. A. (2015). The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma. Viking.




