Vivemos em uma sociedade em que a dor física é legitimada e imediatamente
reconhecida, enquanto a dor psíquica segue minimizada, racionalizada ou escondida.
Quando o corpo dói, paramos. Quando a mente dói, seguimos. Esse fenômeno não é
apenas cultural: é também psicológico. Há mecanismos internos e sociais que nos
afastam do reconhecimento dos próprios limites mentais, mesmo quando eles já foram
ultrapassados há muito tempo.
Freud descreveu que o ser humano desenvolve defesas psíquicas para suportar tensões
internas, evitando o contato com conteúdos dolorosos. Mecanismos como repressão,
negação e racionalização têm função adaptativa, mas também nos tornam menos
sensíveis aos sinais de exaustão emocional.
Assim, ignoramos cansaço, sobrecarga e
sofrimento porque entrar em contato com eles exigiria reconhecer vulnerabilidades que
nossa mente, por proteção, tenta evitar. Jung, por sua vez, destacou que tudo aquilo que
evitamos olhar se transforma em sombra. Quanto mais evitamos ouvir o que a psique tenta
comunicar, mais esses sinais aparecem de forma indireta, por irritabilidade, ansiedade,
fadiga crônica ou sensação de vazio.
Do ponto de vista social, vivemos em um ambiente que valoriza produtividade e
desempenho acima do bem-estar. O corpo tem permissão para parar porque sua dor é
visível e mensurável. Já a dor mental não deixa marcas imediatas e, por isso, é facilmente
deslegitimada: por nós e pelos outros.
A ideia de “aguentar firme” se mistura a conceitos
distorcidos de força emocional. Assim, muitos ignoram seus limites psíquicos por medo de
parecer fracos, inadequados ou improdutivos.
Nesse cenário, sinais como perda de foco,
apatia, dificuldade de descansar ou irritabilidade constante são percebidos como falhas
pessoais, e não como sintomas legítimos de sobrecarga mental.
Além disso, a mente não grita como o corpo: ela sussurra. A dor emocional tende a se
instalar de forma lenta e progressiva, dificultando a percepção de que já ultrapassamos
fronteiras importantes. Pesquisas contemporâneas, como as de Robert Sapolsky, mostram
que o estresse prolongado se normaliza no cérebro, tornando o estado de alerta
permanente quase “invisível” para o indivíduo. Assim, seguimos funcionando, mesmo em
desgaste profundo.
Compreender por que ignoramos esses sinais é o primeiro passo para romper o ciclo.
Respeitar os limites da mente exige escuta interna, autorresponsabilidade e uma mudança
cultural que reconheça o sofrimento psíquico como tão legítimo quanto o físico. Cuidar da
mente não é uma fraqueza, mas uma forma de preservar a integridade emocional e a
própria capacidade de viver com saúde, presença e equilíbrio.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização.
FREUD, S. Inibições, Sintomas e Ansiedade.
JUNG, C. G. A Natureza da Psique.
JUNG, C. G. O Homem e Seus Símbolos.
SAPOLSKY, R. Why Zebras Don’t Get Ulcers.



