Nas avaliações iniciais, coletamos dados importantes para a formulação adequada dos casos clínicos e para a elaboração de intervenções ajustadas às particularidades de cada paciente. Em quatro anos de atuação, foi possível observar um fator comum dentro das queixas que chegam ao consultório: sintomas produzidos pela dificuldade que algumas pessoas têm em estabelecer limites por meio da verbalização do “não”.
Isso pode ocasionar, para citar um exemplo simples, estresse por sobrecarga. No processo psicoterapêutico, tratamos diversas condições psicológicas, de acordo com a especialidade de cada profissional — transtornos de ansiedade e depressão, transtornos neurológicos, transtornos de personalidade etc. Mas, de longe, o mais frequente é a necessidade de desenvolver habilidades interpessoais, como posicionamento, assertividade e verbalização direta de limites, além de técnicas de comunicação, solução de problemas e tomada de decisão.
Muitos sintomas se manifestam justamente pela falta que determinados limites têm feito na vida do sujeito em sofrimento.
Uma das primeiras palavras que aprendemos ainda na infância é o “não”. Gesticulamos a cabeça negativamente com muita força e arrancamos boas risadas dos nossos cuidadores. Com o passar do tempo, essa habilidade importantíssima começa a ser podada por toda uma cultura na qual dizer “não” poderia significar a perda do amor e da consideração de pessoas que significam muito para nós. Com isso, construímos crenças desadaptadas sobre limites.
É importante observar que, ao começarmos a verbalizar nossos “nãos”, é comum ocorrer o afastamento de algumas pessoas queridas. E diante desse fenômeno, deixo uma reflexão essencial: essas pessoas que se afastaram ao ouvir um limite realmente nos amavam ou apenas se beneficiavam de nossa inabilidade e disposição ilimitada?
No consultório, explicamos — por meio do processo psicoeducativo — como algo aparentemente simples se tornou tão difícil. Aprendemos a não dizer “não”.
Construímos crenças equivocadas sobre limites. Felizmente, tudo o que é aprendido pode ser desaprendido, e no lugar construímos crenças mais realistas e saudáveis, como: “Reconhecer, estabelecer e manter limites interpessoais é fundamental para a boa manutenção da saúde mental.” “Estabelecer limites não significa que eu não gosto de alguém.” “Se essa pessoa realmente gosta de mim, é provável que respeite meus limites, não se afaste e até se orgulhe da habilidade que desenvolvi.” A consolidação dessas crenças passa por um processo técnico de exposição gradual e experimentações comportamentais, elaboradas estrategicamente dentro do tratamento.
Podemos começar a pensar no desenvolvimento da habilidade de verbalizar limites por meio de uma exposição gradual. Dificilmente começaremos dizendo “não” diretamente a uma chefia imediata ou a uma figura cuidadora e de autoridade.
Começamos do simples: recusamos um cafezinho que não queremos, depois um convite que desejamos negar, até percebermos que o “não” também precisa ser dito a um relacionamento, trabalho ou amizade que já não faz sentido. Iniciamos pelo mais sutil até construir segurança para aquilo que é mais expressivo. Essa exposição é elaborada de maneira estratégica, em colaboração contínua com o paciente, que é o protagonista do seu processo e decidirá as rotas que deseja tomar para alcançar seus objetivos.
Dependendo de cada caso, quando o paciente começa a estabelecer seus limites de maneira assertiva e posicionada, é comum observarmos uma remissão importante dos sintomas relatados no início do tratamento — nos casos em que a inabilidade e os sintomas se correlacionam. Vale ressaltar que a necessidade de desenvolver essa habilidade pode surgir de maneira muito sutil dentro da narrativa dos pacientes, e cabe ao profissional manejar adequadamente as técnicas de questionamento cognitivo para realizar uma análise sólida que favoreça os insights necessários ao processo de mudança.
Assim como em qualquer relação humana, uma aliança terapêutica forte é um fator preponderante para o sucesso do tratamento. E saibam: nós, profissionais, celebramos e ficamos genuinamente felizes quando nossos pacientes relatam seus sucessos nas exposições e se aproximam cada vez mais da melhor versão que desejam ser de si mesmos.




