Nas últimas décadas, a discussão sobre saúde mental ganhou visibilidade sem precedentes. No entanto, apesar do aumento do acesso à informação, ainda existe uma barreira silenciosa que impede muitas pessoas de iniciarem um processo terapêutico: o estigma. A decisão de buscar ajuda psicológica não ocorre em um vácuo; ela é atravessada por construções culturais, pressões sociais e mitos antigos que associam o sofrimento psíquico à fraqueza ou à incapacidade.
Compreender como a sociedade influencia essa decisão é o primeiro passo para desconstruir preconceitos e promover uma cultura de cuidado onde a saúde mental seja tratada com a mesma seriedade e naturalidade que a saúde física.
A Raiz Social do Preconceito
Historicamente, a loucura e o sofrimento mental foram segregados e excluídos do convívio social. Embora a Reforma Psiquiátrica e os avanços da Psicologia tenham transformado o tratamento e a compreensão do sujeito, resquícios desse passado permanecem no imaginário coletivo.
A sociedade contemporânea, muitas vezes voltada para a performance e a produtividade incessante, tende a valorizar a autossuficiência extrema. Nesse contexto, admitir que "algo não vai bem" internamente é frequentemente interpretado erroneamente como uma falha de caráter ou falta de força de vontade.
Frases comuns no senso comum, que sugerem que o sofrimento emocional é "frescura" ou algo que se resolve apenas com "pensamento positivo", são manifestações do que chamamos de psicofobia, o preconceito contra pessoas que apresentam transtornos mentais ou deficiências psicossociais.
O Impacto do Estigma na Decisão de Busca por Ajuda
O estigma atua de duas formas principais: o estigma público (a reação da sociedade) e o autoestigma (quando o indivíduo internaliza o preconceito). O medo do julgamento alheio faz com que muitas pessoas adiem a busca por um psicólogo por anos.
Existe ainda a crença equivocada de que a psicoterapia é reservada apenas para momentos de crises agudas ou transtornos severos. Essa visão reducionista ignora o caráter preventivo e promotor de saúde da Psicologia. Ao evitar o cuidado profissional por medo de rótulos, o indivíduo pode vivenciar o agravamento de sintomas, prejuízos nas relações interpessoais e uma diminuição significativa na qualidade de vida.
Estratégias para Combater o Estigma
Para reverter esse cenário, é necessário um esforço coletivo pautado na educação e na ética:
1. Psicoeducação como Ferramenta de Mudança: O acesso a informações baseadas em evidências científicas é fundamental. É preciso esclarecer que a psicoterapia é um espaço de escuta qualificada, sigilosa e técnica, voltada para o desenvolvimento humano, e não apenas para a "cura" de doenças.
2. Normalização do Discurso: Falar sobre emoções, vulnerabilidades e saúde mental em ambientes cotidianos, escolas, empresas e círculos familiares, ajuda a naturalizar o tema.
3. Ressignificação da Busca por Ajuda: É essencial alterar a narrativa de que buscar terapia é um ato de fraqueza. Pelo contrário, reconhecer a necessidade de suporte e se implicar no processo de autoconhecimento é um ato de coragem e responsabilidade consigo mesmo.
O estigma em relação à saúde mental é uma construção social que pode e deve ser desmantelada. A psicologia, enquanto ciência e profissão, oferece ferramentas para que o indivíduo compreenda sua subjetividade e lide melhor com as angústias inerentes à existência humana.
Combater o preconceito começa por entender que cuidar da mente é parte integrante de cuidar da vida. Ao derrubarmos as barreiras do julgamento, abrimos caminho para uma sociedade mais empática e saudável, onde pedir ajuda não é motivo de vergonha, mas sim o primeiro passo para o bem-estar.
Referências bibliográficas:
AMARANTE, Paulo. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995.
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL.
Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília, 2005.
DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.






