"Esqueça o passado."
Quantas vezes já ouvimos essa frase? Por trás dessa orientação aparentemente libertadora existe um medo profundo: o receio de que, ao olharmos para trás, fiquemos presos, remoendo antigas feridas. Mas será que ignorar o passado é realmente a melhor estratégia?
O Passado Que Vive no Presente
Na psicanálise, sabemos que o passado nunca realmente se vai. Ele se manifesta na transferência, nas repetições, nos sintomas que carregamos. O passado é sempre uma experiência do presente - ele nos toca, nos influencia e molda quem somos hoje.
Sankofa: A Sabedoria Ancestral Africana
Existe um símbolo africano que nos ensina uma abordagem completamente diferente sobre essa questão: Sankofa.
Pertencente aos símbolos Adinkra (sistema de escrita tradicional africano), Sankofa significa literalmente "olhar para o passado e compreender o futuro". Este símbolo aparece de duas formas: um pássaro com o pescoço voltado para trás, carregando uma pedra preciosa no bico, e um coração estilizado com volutas - ambos representando a mesma filosofia ancestral.
Marcas de Resistência no Brasil
O que me emociona profundamente é descobrir como esse símbolo chegou ao Brasil. Durante a escravidão, os africanos escravizados gravaram discretamente imagens de Sankofa nas grades de portões, janelas e construções - especialmente no Rio de Janeiro, mas espalhadas por todo o país.
Era como se deixassem uma mensagem cifrada: "Não se esqueçam de quem vocês são.
Não se esqueçam de que são um povo com cultura e história próprias."
Essas marcas eram atos de resistência cultural. Mesmo na casa-grande, mesmo sob opressão, conseguiram gravar: "Passamos por aqui. Existimos. Nossa cultura resiste."
O Passado Como Memorial, Não Como Prisão
Sankofa nos ensina que o passado não é um lugar para morar, mas para visitar. Não é uma prisão, mas uma escola. Quando ignoramos nosso passado, perdemos duas coisas preciosas:
Primeiro: Desperdiçamos o conhecimento acumulado em cada experiência vivida. Somos feitos de experiências - mesmo aquelas que não lembramos conscientemente continuam nos formando.
Segundo: Perdemos a sabedoria que vem de compreender nossas vivências, de entender o que devemos repetir e o que devemos deixar para trás.
A Lição de Sankofa Para Nós
O passado está sempre conosco, influenciando nosso presente. A questão não é se devemos ou não olhar para ele - vamos encontrá-lo de qualquer forma. A questão é: como vamos nos relacionar com ele.
Ignorar o passado não funciona. Ficar preso nele, também não.
Mas aprender com ele? Isso pode nos levar à construção de um presente e um futuro genuinamente diferentes.
Nosso passado é memorial - algo para ser lembrado, compreendido e, quando necessário, transformado. Como os africanos que gravaram Sankofa nas estruturas coloniais, podemos honrar nossa história enquanto construímos algo novo.
E você? Como tem se relacionado com seu passado?




