Para quem não é psicólogo, talvez seja novidade a chamada ‘guerra de abordagens’, mas ela existe desde o fundamento da psicologia em 1880 com Wundt e seu laboratório de percepções.
Na época, não foram bem aceitas as ideias organogênicas e empíricas de Wundt, contrastadas com ideias mais psíquicas de outros autores que, assim como ele, dedicavam-se ao estudo de um novo objeto, de epistemologia muito diferente daquela que vinha sendo estudada pelas ciências naturais. Foi o caso da Psicologia do Ato, de Brentano.
Wundt e Brentano, por compreenderem a natureza da psicologia de maneira diversa, travaram uma ‘guerra teórica e científica’, um conflito de ideias, cada qual com sua argumentação e metodologia, o que veio a se tornar um dos grandes (primeiros) embates da psicologia, e uma das primeiras grandes contribuições para o modo como veríamos essa ciência no futuro (Titchener, 1921)1.
O embate entre abordagens terapêuticas hoje está muito diferente do que foi no princípio, é verdade, mas algumas argumentações continuam tão antiquadas e desembasadas quanto sempre. Não é incomum aqueles que buscam por auxílio psicológico se verem em meio ao bombardeio de críticas e acusações de diferentes abordagens que, cada qual munida de seus argumentos, buscam derrotar moralmente o lado que consideram ‘menos científico’, ou ‘menos efetivo’, e por aí vai.
Afinal, na prática clínica, situação específica da psicologia em que o foco não está em se ‘descobrir a verdade sobre a matéria de estudo dessa ciência’, mas sim causar melhora e conforto a um paciente que busca por auxílio das ferramentas psicológicas, as diferentes abordagens fazem tanta diferença assim?
Os fatores de melhora
Muito se discute a eficácia de cada abordagem para cada demanda específica em psicologia. Boa parte da produção científica em psicologia está debruçada sobre isso. Quem está procurando um tratamento para suas questões se vê em meio a dúvidas, dados contraditórios para todos os lados, especialistas desmentindo uns aos outros, e a questão permanece: ‘afinal, qual abordagem eu opto para iniciar meu tratamento?’.
Fique tranquilo. Um dos poucos pontos que tantos estudos divergentes concordam é justamente naquilo que causa a cura ou a melhora em psicoterapia clínica: o vínculo terapêutico. Ou seja, o estabelecimento da relação do paciente com seu psicólogo. Dentre tantas variáveis no processo terapêutico – setting, tempo, abordagem, técnicas específicas, usar ou não o divã, intervenção ou não-intervenção, teorias de personalidades, de comportamento, dentre tantas outras –, estar vinculado com seu psicoterapeuta é o mais importante.
Um dos estudos mais importantes nesse campo é o de Lambert & Barley (2001)2, que dividiram os fatores de melhora em psicoterapia em 4 campos: fatores externos, efeitos da expectativa, técnicas terapêuticas específicas, e fatores comuns. O objetivo de seu estudo foi mensurar quantitativamente o quanto cada fator influenciava na melhora dos pacientes. Foi justamente nos fatores comuns que o vínculo paciente/terapeuta encontrou maior significância do que as técnicas específicas (cerca de 30%), e configurou aquilo que hoje é entendido hegemonicamente como o principal fator de melhora em uma psicoterapia.
É claro que, como o próprio estudo demonstra, outros fatores influenciam nesse progresso. A própria percepção do paciente sobre a terapia, e o contraste dessa com suas expectativas, podem ser fatores cruciais para o avanço ou retrocesso terapêutico. No entanto, é nítida a irrelevância da ‘guerra de abordagens’ se tratando de prática clínica, uma vez que, independentemente da epistemologia que rege o conhecimento, ou das técnicas específicas que compõem o repertório, o que importa mesmo é ter um bom vínculo com seu psicoterapeuta.
Conclusão
Muitos são os pacientes que chegam até a clínica preocupados com a abordagem na qual serão tratados. Dizem coisas como meu psiquiatra disse que psicanálise não é ciência, ou já me avisaram que a TCC é limitada. A preocupação com a abordagem não deveria ser um impeditivo para que pessoas fora da área de estudo da psicologia buscassem seus tratamentos, mas infelizmente é o que acaba acontecendo em um cenário em que tantos profissionais alimentam uma ‘guerra de abordagens’ que, na prática clínica, não faz sentido algum.
No campo academicista, todas as abordagens terão suas contribuições, críticas e problemáticas metodológicas, e tudo bem. Eis a beleza de podermos estudar e conversar sobre o que estudamos. No entanto, se estiver precisando de tratamento psicológico, não deixe que essas dúvidas atrapalhem.
Um abraço e nos vemos no próximo texto.
1 TITCHENER, Edward Bradford. Brentano e Wundt: Psicologia Empírica e Experimental. Artigo original de 1921. Tradução de Afonso Henrique Lisboa da Fonseca. Revista da Abordagem Gestáltica, Goiânia, v. 16, n. 1, p. 97-103, jan.-jul. 2010.
2 LAMBERT, Michael J.; BARLEY, Dean E. Research summary on the therapeutic relationship and psychotherapy outcome. Psychotherapy: Theory, Research, Practice, Training, Washington, DC, v. 38, n. 4, p. 357-361, 2001. DOI: 10.1037/0033-3204.38.4.357.




